ACOMPANHANDO WRESTLING NO BRASIL DESDE OS ANOS 1980 (PARTE 1)

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No artigo a seguir, um relato bem pessoal sobre como eu comecei a acompanhar luta livre e porque até hoje essa droga continua me consumindo.

Até onde minha memória alcança, meu primeiro contato com a luta livre foi no SBT, acompanhando (esporadicamente) o Campeonato Mundial de Luta Livre. O programa foi exibido a partir de agosto de 1986 e durou meados de 1988, que é onde começam a brotar algumas imagens na minha cabeça. Os flashes (muito pequenos, é verdade) que eu tenho na memória são de alguma luta do Hulk Hogan, ou de algum louro genérico – pode ter sido o Greg Valentine, chamado no programa de “Marreta Valentino”. Só que os bichos pulavam no ringue, não era uma luta de boxe – febre da época devido ao Maguila e o Mike Tyson, com suas lutas sendo transmitidas na Bandeirantes. A cena dos lutadores se engalfinhando nunca saiu da minha cabeça. Anos mais tarde, pesquisando a respeito, encontrei que a fase exibida pelo SBT era o programa Superstars of Wrestling, da WWF (circa 1984/1985). Bizarramente, as vozes dos personagens eram dubladas (até mesmo durante a luta), e não apenas nas promos. Uma boa alma colocou um trecho na internet, com uma luta de Randy Savage, o Macho Man, enfrentando Paul Roma (ou Paulo Roma, na narração de Carlos Valadares feita nos estúdios da TVS/SBT):

Anos depois, o SBT começou a passar um seriado chamado Luta Livre de Mulheres, aos sábados junto com o Viva a Noite, apresentado pelo Gugu. Originalmente chamado de G.L.O.W. (Gorgeous Ladies of Wrestling), o seriado estreou em um pacote de séries naquele ano (junto com Um Homem de Outro Planeta, Os Policiais da Montanha, Asas de Aço e os Fora da Lei). Outra boa alma colocou o comercial anunciando as estreias, que ocupariam o horário das 20h a partir de março de 1990.

Recentemente, G.L.O.W. ganhou uma releitura feita pelo Netflix, contando com vários wrestlers (da atualidade e clássicos) fazendo cameos. Caso você nunca tenha assistido ao menos um trecho do original, segue aqui um pequeno vídeo com as lutadoras cantando uma música, já dublada para o português. Infelizmente, o programa durou pouco tempo no ar, saindo da grade do SBT ainda em 1990.

No Dia das Crianças de 1993, eu ganhei um Nintendinho (Microgenius), e comecei a alugar fitas, aposentando o meu Atari (CCE…). Uma colega de classe era dona de uma locadora que recém havia aberto em Campo Bom, chamada Sander Games. Na época, as fitas de 72 pinos eram as que vinham com a caixinha original. Já as de 60 pinos eram uma fotocópia da própria fita (imagino que era comprada no Paraguai sem a caixinha, como muitos faziam nos anos 1990). Uma dessas fitas de 72 pinos com a caixinha colorida era WCW World Championship Wrestling, com os Road Warriors na capa. Como os bonecos tinham uma espécie de armadura, pensei até que se tratasse de algum seriado com punks estilo os que apareciam no Mad Max (ou Hokuto no Ken, que eu viria a conhecer muitos anos depois). No verso da caixinha, um ringue desenhado e os manos fazendo umas chaves. Aluguei no ato. No roster do joguinho, nomes como R.Flair, L.Luger, R.Steamboat, M.Rotunda, Sting, R.Steiner…Tudo abreviado assim mesmo.

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Pouco tempo depois, na casa de um amigo meu que até hoje gosta de wrestling, o Leandro, vulgo Bolota, jogamos também no Nintendinho (o fera tinha um Dynavision…) um jogo chamado TECMO World Wrestling. O jogo era horroroso, mas tinha um diferencial: você podia renomear seus lutadores. Até hoje, rola uma piada interna, que já tem quase 25 anos, quando nomeamos um boneco como BOCOIÓ. Ou seja, para quem gostava de luta livre nesse hiato de 1990 a 1993, só restava o vídeo game.

Você deve estar praguejando: “ô seu arrombado, eu assistia Campeões do Ringue na Record e depois na Rede OM! Isso desde os anos 1980! O Valadares narrava nas duas, e teve até o Galvão Bueno na Rocinha comentando!” (e é verdade, está aqui no vídeo abaixo para você sentir o surrealismo da coisa)

Mas eu te respondo: a TV Record não pegava nos canais abertos no Rio Grande do Sul. O sinal da emissora começou a ser colocado na parabólica a partir de 1990, mas ninguém na minha família era magnata para ter tal iguaria. A Rede OM, que posteriormente virou CNT, também tinha o sinal na parabólica. Mas, novamente ressaltando, não tínhamos este trambolho. Portanto, zero wrestling para os baixa-renda de Campo Bom.

O bagulho mudou de forma mastodôntica a partir do glorioso dia 11 de março de 1995, quando a Rede Manchete estreou dentro do bloco esportivo A Grande Jogada, exibido aos sábados e aos domingos, um programa chamado Super Catch. Era a luta livre finalmente no meu televisor. A primeira batalha que eu lembro de ter assistido foi do King Kong Bundy contra um jobber, que não durou nada. Era o finalzinho do programa. À essa altura, o programa exibido era o SUPERSTARS, da WWF, em sua fase 1994. Para quem acompanhou na época, deve lembrar que o programa consistia basicamente em alguns highlights do Monday Night RAW, lutas de top faces e heels contra jobbers, e um main event mediano, consistindo em uma luta que não tivesse nenhum jobber, apenas os personagens “de fábrica”. O programa era exibido no sábado, e contava com uma reprise aos domingos. Posteriormente, a exibição de sábado foi cancelada, e o programa ganhou uma hora extra aos domingos, começando às 18h e indo até as 20h. Na primeira hora, episódios do SUPERSTARS e alguns do ACTION ZONE, com narração de Carlos Valadares e comentários de Bob Léo. Na segunda hora do programa, Bob Léo assumia a narração e deixava sua persona heel de lado, torcendo para os mocinhos. Isso dava um crepe na cabeça da gurizada que não era mole – o maluco dava um faceturn no meio da transmissão! A hora narrada por Bob Léo consistia em lutas antigas do Monday Night RAW, de 1994. Outra confusão que isso causava: personagens que no programa “atual” (com vários meses de diferença) eram face, nos antigos eram heel – e Bob Léo narrava como se os bonecos fossem face. Houve uma luta em que o campeão intercontinental Diesel obliterou um jobber, e Bob Léo dizendo que a galera estava feliz da vida (quando na verdade estava vaiando e querendo comer o cu de Kevin Nash).

Todo domingo eu gravava o programa em VHS e ficava assistindo ad eternum durante a semana. Era uma angústia esperar sete longos dias para conferir os novos combates da WWF. Algumas dessas gravações eu ainda preservo, e um dia hei de coloca-las na web. Nessa época, o programa fazia tanto sucesso que era uma das cinco maiores audiências da Rede Manchete. Foi parar até na capa da revista Herói, que trouxe uma ficha geral dos lutadores da época. Curiosamente, a Herói havia dado destaque anteriormente para Kevin Nash, trazendo toda a ficha corrida do monstruoso campeão Diesel. Durante o programa, Bob Léo sorteava cartinhas dos “amiguinhos e amiguinhas” que queriam concorrer a bonecos originais da WWF, além dos óculos de Bret Hart – “o verdadeiro rei dos Hart”, como dizia Carlos Valadares.

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Nas locadoras, mais alegria. Talvez embalado pelo sucesso do programa, começou a pingar um monte de jogos da WWF. Para Mega Drive, a Sander Games tinha o Wrestlemania (com o roster de 1993), e para Super NES tínhamos o WWF RAW, lançado em 1994. Possivelmente, o WWF RAW foi o jogo de Super NES que eu mais aluguei na locadora, até ele sumir misteriosamente. Diz a lenda que uma locadora havia alugado a fita e nunca havia devolvido. O mistério dura até hoje. RIP fita. Além desses jogos, havia também o excelente Saturday Night Slam Masters, da Capcom, outro campeão de alugueis lá na Sander.

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Já no final de 1995, a locadora havia trazido a grande novidade do Playstation e do Sega Saturn, além das televisões de 29”, que custavam quase o preço de um carro na época. Foi aí que surgiu o CD do Wrestlemania para Playstation, em que os lutadores da WWF eram “de carne e osso”, como nos jogos do Mortal Kombat. Joguei esse jogo até não poder mais. Só lamentava que ele era altamente forçado, não parecendo uma simulação como eram os dos 16 bits, e sim extremamente caricato.

Quem foi moleque na época, lembra que pegar os colegas de porrada para tentar fazer um slam, ou algum outro golpe dos Superstars da WWF (ainda não existia o “não tente isso em casa” – e nem ia adiantar) era glorioso. Infelizmente, tive que abdicar dos meus dias de lutador pois quebrei o braço, quando fui empurrado de um balanço coletivo que era um pneu de trator. Nesta época, o Super Catch entrava na sua reta final, tendo seu último episódio exibido em 26 de fevereiro de 1996. Só me restavam as gravações que eu tinha feito em VHS. Mas rever sempre as mesmas lutas começou a ficar chato. E o pior era que não havia alternativa, pois o programa foi limado definitivamente da TV com o fim do A Grande Jogada.

Entediado e sem nada para fazer por causa do braço quebrado, sem meu programa favorito na TV, meu pai fala que um colega dele, o tio Wilson (que já havia gravado todos os episódios de Mr. Bean do Multishow para mim), tinha umas lutas gravadas da TV a cabo. Pedi para ele me emprestar as fitas. Me decepcionei um bocado quando vi que as lutas eram de vale-tudo, que eu não achava a menor graça. Só depois de adulto que eu descobri que naquela época a TNT passava wrestling no Brasil, exibindo uma fase escabrosa de ruim da WCW pré-Outsiders. A dublagem era feita por cima das vozes, tal qual fazem os abjetos narradores atuais da WWE no Brasil. Foi até bom que o tio Wilson nunca gravou esse troço – talvez até porque ele nem tivesse a TNT no pacote de cabo.

Depois de 1996 e 1997 na seca, a situação começou a mudar a partir de 1998, com a chegada do Nintendo 64. Um dos primeiros jogos a aparecer na Sander foi WCW x NWO. Foi aí que descobri que os Outsiders tinham saído da WWF e ido para a concorrente. Na época, só sabia que existiam duas federações por causa da fita da WCW lá de 1993. Meu primo Marcos, na onda das locadoras/casas de jogatina, abriu uma para ele, lá em Mostardas. E um dos primeiros CDs que ele conseguiu foi WCW Nitro. O diferencial para o jogo de N64 era que o maldito tinha vídeos. Fiquei alucinado. Zerei o jogo com cada um dos wrestlers, só para ver poucos segundos de ação ao final do jogo. E quando pintou em uma revista Super Game Power uma sequência de golpes do jogo WWF War Zone, a casa caiu de vez. Vale lembrar que em 1998 a WWF apareceu até no Jornal Nacional – mostraram a “confusão” que o Mike Tyson arrumou com o Stone Cold para promover a luta de Steve Austin contra Shawn Michaels no Wrestlemania XIV. A Globo entrou de pato na história – mas dava para ver como o jogo midiático de Vince McMahon começava a funcionar em várias esferas.

Stone Cold era a capa de WWF War Zone, dando a entender que ele era o novo “mocinho” da companhia. O jogo apareceu em Campo Bom apenas para N64 – e meu amigo Leandro, o Bolota, já havia comprado o seu console. Foram inúmeros domingos jogando WWF War Zone, e tentando entender o papel de cada um dos personagens. Importante ressaltar que cada personagem tinha uma ficha no jogo, e mostrava se ele era “bom” ou “mau”. Shawn Michaels e Triple H formando uma dupla chamada D-Generation X já era uma estranheza ímpar para quem não acompanhava WWF desde 1995. Shawn Michaels já havia sido heel, ok. Mas o grande baque foi quando percebemos que Bret Hart havia se tornado um vilão. Como assim? Ninguém entendeu porra nenhuma. E não tínhamos internet para pesquisar. Dessa época, talvez o mais chocante foi perceber que além de ter virado vilão na WWF, Bret Hart saiu da companhia e foi para a WCW – descobri isso através de revista de videogame que mostrava um frame de um jogo chamado WCW/NWO Revenge trazendo o Hitman. Foi uma dúvida que me corroeu até os idos de 2000. Só para completar a fase WWF War Zone, quando comprei um Playstation em 1999, o primeiro jogo que fui caçar na Sander Games foi esse. Assim como o WCW Nitro, o WWF Warzone era recheado de vídeos, e isso era maravilhoso. Imagine poder rever cenas de seu programa preferido, ainda que por poucos segundos. Era uma sensação mágica, e ao mesmo tempo triste, pela impossibilidade de poder acompanhar de fato a WWF de um jeito decente.

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No ano 2000, durante uma aula no laboratório de artes da Fundação Liberato, onde eu fazia o primeiro ano do ensino médio, encontro uma revista Isto É, já antiga, datada de junho de 1999, mostrando a morte de um lutador da WWF. Achei estranho para cacete isso sair numa revista de linha, e mais surreal ainda quando eu descobri que o morto, Blue Blaze, era o Owen Hart. Aquilo caiu que nem uma bomba na minha cabeça. Foi nesta época que as primeiras páginas brasileiras sobre luta livre começavam a surgir timidamente na web. Poucas informações e a maioria uma transcrição do inglês de algumas páginas que colocavam os resultados online. Como eu não falava inglês na época, eu não tinha as manhas de procurar as informações adequadas. E o wrestling ficou em banho maria para mim.

No próximo artigo: os anos 2000.

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